A Agenda Trabalho XXI vende futuro, mas facilmente se percebe que é feita de passado. O anúncio do progresso aparece no embrulho, “flexibilidade”, “competitividade”, “conciliação”, proteção dos “mais vulneráveis”, “combate à precariedade laboral”. Quando se abre o pacote tudo muda: desregula e precariza. O resultado da combinação desses condimentos, usados no Código de 2003 e na Lei da Troika, a Lei n.°23/2012, de 25 de junho — cujo teor, alegadamente transitório, se tentou então justificar com a crise — deixou marcas profundas de precariedade na sociedade portuguesa.

Com a nova proposta, são introduzidas alterações gravosas, designadamente as que dificultam a conciliação e as que desprotegem os grupos mais vulneráveis. Medidas que, inclusivamente, não estão em linha com o Direito da União Europeia. Há propostas sustentadas numa lógica da suspeição: sobre as mães a amamentar, sobre as mães trabalhadoras que pedem horário flexível, as mulheres trabalhadoras que alegadamente abusam dos seus direitos. Acena-se com a suposta fraude para se retirar direitos.

Nessa linha de ataque à conciliação, encontra-se a limitação da licença para amamentação ou na restrição à aplicação do regime do horário flexível a trabalhadores com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica, determinando que a sua fixação deve atender ao período de funcionamento e forma de organização do tempo de trabalho da empresa, nomeadamente noturno e prestado ao fim de semana. Os trabalhadores dos centros comerciais, da grande distribuição, fazem pedidos de horário flexível. Esses pedidos têm tido parecer positivo da Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego (CITE). Há inclusivamente decisões judiciais que sustentam que, no quadro do horário flexível, se inclui a possibilidade do trabalhador definir quais são os seus os períodos de descanso. Esta nova redação restringe as possibilidades de fixação de horário flexível a trabalhadores com responsabilidades familiares. Ao mesmo tempo que, como sabemos, o Parlamento voltou a chumbar iniciativas no sentido do encerramento do comércio ao domingo, ao contrário do que acontece em outras capitais europeias, como é o caso Bruxelas, tornando um inferno a conciliação do trabalho com a vida familiar para estes trabalhadores.

A receita deste Código, liberal e pouco ou nada laboral, é por isso feita em rota de colisão com a Constituição da República Portuguesa (CRP). Implode-se o princípio constitucional da segurança no emprego, previsto no artigo 53.º da CRP e põe-se em causa direitos fundamentais dos trabalhadores, consagrados no artigo 59.º, nomeadamente o da organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar.

Das muitas medidas que foram sendo discutidas, algumas passaram ao lado no debate público. Por exemplo, introduz-se uma norma que supostamente alargaria o objeto da lei das quotas para a deficiência, a Lei n.º 4/2019, de 10 de janeiro. Esta lei estabelece um sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%, quota que pode atingir uns tímidos 2%. Agora pretende-se, mantendo a quota, que trabalhadores com 33% de incapacidade possam preencher a quota. O resultado é que aqueles que tinham maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho podem ser arredados do acesso ao emprego pelo preenchimento da quota por trabalhadores com uma incapacidade significativamente mais baixa. Já para não falar que para o preenchimento desta quota, passa a ser contabilizado o recurso ao trabalho temporário que aloque trabalhadores com deficiência para preencher um posto de trabalho da entidade beneficiária, bem como o recurso a prestação de serviços por centro de emprego protegido. Se isto fosse uma operação de cosmética corria bem, mas trata-se do direito ao acesso ao emprego.

Mete-se o antigo Código numa mala de cartão, qual Linda de Suza (afinal somos todos filhos de emigrantes), e parte-se. Querem-nos dizer que o Direito do Trabalho é velho. Mas não há nada mais carregado de futuro do que trabalho digno. É por isso que, no que toca a esta Contra-Reforma, só podemos dizer: "Não". E não, tem de ser mesmo não. Para variar.

Texto publicado originalmente no jornal Público, 9 de agosto de 2025