O nosso Governo jura que todos os seus atos serão determinados "exclusivamente pelo objetivo de servir as pessoas". Di-lo como sendo algo novo, mas todos os governos o disseram. As injustiças e desigualdades, a pobreza e miséria humanas que atravessam a sociedade atual - globalmente mais rica que nunca - são, muito, o resultado de leis e práticas governativas injustas, sempre anunciadas como bondosas. O mundo do trabalho é das áreas onde mais se incrementa o exercício de vender gato por lebre. Assim acontece com o novo pacote laboral.

Nunca se assumiu uma avaliação dos impactos causados pelas alterações introduzidas em 2003 que agonizaram a contratação coletiva e aceleraram precariedades. Também não se avaliaram as alterações relativas ao teletrabalho, feitas em 2021, nem as decorrentes da Agenda do Trabalho Digno de 2023. O Governo move-se por uma agenda política retrógrada, que o contexto nacional e externo sintonizou com grandes interesses do setor financeiro e económico. Quem quiser acreditar na exposição de motivos do anteprojeto, julgar-se-á a caminho de um país mais justo e solidário. Mera ilusão.

A modernização proclamada combina a liberalização dos despedimentos (que retoma velhas reivindicações patronais de recusa da reintegração dos trabalhadores no caso de despedimento sem justa causa), com a facilitação do outsourcing após despedimentos. Recorde-se que o Tribunal Constitucional considerou válido o travão introduzido na lei em 2023. É acentuada a precarização das relações laborais, facilitando o uso dos contratos a termo, temporários e intermitentes e reduzindo o universo dos trabalhadores economicamente dependentes. Um trabalhador era considerado como tal quando o seu rendimento vinha, pelo menos em 50%, da atividade prestada a uma só entidade patronal, agora propõe-se que a fasquia suba para 80%. Daí resultará o aumento do universo dos falsamente independentes.

O Governo quer revogar a maior parte dos critérios para reconhecimento do contrato de trabalho dos trabalhadores das plataformas digitais, introduzidos pela legislação de 2023, propondo critérios de laboralidade favoráveis à "uberização". É a velha receita de normalizar a precariedade para provar que esta não existe.

O atrofiamento da negociação coletiva prossegue com a eliminação de alguns mecanismos travão da caducidade das convenções, sendo revertido o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador no caso do trabalho suplementar e do teletrabalho. Recupera-se o banco de horas individual, permitindo aos patrões contornar as disposições das convenções coletivas. Limita-se a intervenção dos sindicatos onde não têm associados e o direito à greve é atrofiado.

O liberalismo económico e a conceção fascista de que os trabalhadores são seres suspeitos encontram eco no Parlamento. É urgente o combate às bases estruturais das desigualdades, pelo trabalho digno e por condições para a conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal e familiar.

Texto publicado originalmente no Jornal de Notícias, 2 de agosto de 2025