
A direita no Governo prepara-se para impor uma contrarreforma laboral que põe em causa direitos, fragiliza ainda mais os trabalhadores e reforça o poder patronal e financeiro. Invocando “modernização” ou “flexibilização”, o que se propõe é, na verdade, precariedade, individualização das relações laborais, erosão da contratação coletiva e da greve, bem como o enfraquecimento dos sindicatos. O objetivo é claro: desarmar os trabalhadores para fortalecer empresas e capital. Perante tal ofensiva, seria natural esperar uma resposta firme e coordenada do movimento sindical. Contudo, apesar da recusa comum ao TRABALHO XXI, as centrais sindicais continuam presas às suas tradições e culturas próprias, incapazes de construir um entendimento mínimo para enfrentar o adversário comum. Esta divisão fragiliza toda a ação sindical e transmite aos trabalhadores e à sociedade uma imagem de irrelevância e impotência.
Foi para romper este bloqueio que centenas de cidadãos avançaram com um apelo claro: que as centrais sindicais dialoguem, se entendam e construam uma estratégia — e, se possível, uma plataforma comum de ação para enfrentar a contrarreforma laboral e o ataque ao Estado Social. O abaixo-assinado entregue às centrais, no dia 21, não é simbólico, é a expressão de uma exigência social e de classe: a unidade é condição de eficácia do sindicalismo.
Divididos e descoordenados, os sindicatos perdem capacidade negocial, dispersam a atenção pública e transmitem aos trabalhadores a ideia de que não vale a pena sindicalizar-se. O sindicalismo só existe com trabalhadores; e só será forte se estes perceberem que a união coletiva se traduz em poder.
Mas não basta apelar à estratégia comum: é preciso concretizar. Partindo da rejeição já expressa por ambas as centrais, importa identificar limites, assumir compromissos e, acima de tudo, afirmar à sociedade que o sindicalismo é capaz de se coordenar quando estão em causa direitos fundamentais. É tempo de ponderar iniciativas de impacto, como uma reunião aberta entre as centrais. A participação de sindicatos independentes representativos deve ser ponderada, pelo significado, pelo reforço da diversidade e representatividade, aproveitando um momento ímpar de ataque aos direitos e interesses de todos.
Sem abdicar da autonomia de cada central, urge criar um espaço de concertação e decisão, sinal claro de unidade. Não se pretende apagar divergências históricas, mas é possível construir uma declaração conjunta com linhas gerais consensuais: rejeição do retrocesso nos direitos, defesa da contratação coletiva e da greve, combate à precariedade, promoção de salários dignos. Uma posição comum, validada por cada central, mostrará que é possível colocar os trabalhadores acima das rivalidades. Não basta rejeitar: é necessário apresentar propostas concretas e mobilizadoras — reforço da negociação coletiva, redução do horário sem perda salarial, aumento do salário mínimo, combate à precariedade e aos falsos recibos verdes, proteção do emprego em reestruturações e plataformas, impedir despedimentos facilitados e promover democracia nos locais de trabalho. Este caminho terá impacto não só na concertação social, mas também na perceção pública do sindicalismo. Mesas sindicais coordenadas podem ser sinal de força, evitando soluções individualistas e fragilidades.
Num momento decisivo, é vital organizar uma grande mobilização pública, social e política — envolvendo sindicalistas, ativistas, trabalhadores não sindicalizados, académicos e cidadãos solidários, numa ampla aliança social. Uma afirmação coletiva e nacional contra a contrarreforma TRABALHO XXI, mostrará que o sindicalismo não está isolado, mas integra um movimento social vasto, pela dignidade do trabalho e pelo Estado Social.
O sentido histórico da unidade
A história do movimento sindical, em Portugal e no mundo, prova que as conquistas resultaram de lutas unitárias, em que diferenças foram secundarizadas por objetivos comuns. O direito ao descanso semanal, férias pagas, redução do horário de trabalho, contratação coletiva, proteção na doença e na velhice — tudo foi conquistado com unidade. Perante esta ofensiva regressiva, reencontrar esse caminho é necessário.
As centrais sindicais, a CGTP-IN e a UGT, uniram-se em muitos momentos e na convocação de greves gerais em momentos-chave da história recente do país, nomeadamente em resposta a políticas de austeridade (salientamos a de 1988 contra o Pacote Laboral de Cavaco Silva, e as de 2010 e 2011 contra a austeridade de Sócrates e depois de Passos Coelho). Apesar das suas diferenças ideológicas, a união das duas centrais em greves gerais demonstra um consenso alargado e uma insatisfação profunda dos trabalhadores em relação às medidas governamentais, dando um peso político e social muito maior aos protestos. Também é uma questão de futuro. Num país onde o trabalho precário atinge cada vez mais jovens, onde muitos são empurrados para a insegurança ou para emigrar, onde trabalhadores abandonam a profissão por falta de condições dignas, cabe ao sindicalismo dar respostas — e só será capaz de o fazer se unir forças, inspirar confiança e apresentar soluções. Caso contrário, ficará marginalizado.
Muitos perguntam: “Para quê sindicalizar-se, se estão divididos e sem força?” Só há uma resposta: vale a pena. Associados e participantes, os trabalhadores conseguem renovar, aperfeiçoar a democracia interna, travar retrocessos e conquistar avanços. A unidade na ação não é teoria; é a chave para devolver esperança, confiança e poder aos trabalhadores. Esta luta tem também uma dimensão pedagógica e efeitos multiplicadores: mostrar que é possível, mesmo com tradições diferentes, encontrar pontos comuns e atuar em conjunto, contribuindo para a democracia, combatendo o individualismo e valorizando a ação coletiva num tempo de soluções fáceis e discursos populistas. Uma ação sindical coordenada terá efeitos multiplicadores.
Hora de escolher: unidade constrói o futuro
Vivemos um momento crucial. Ou as centrais sindicais, e outros sindicatos não filiados, superam preconceitos e desconfianças ou permanecem isolados, deixando de ser força social real. O apelo de centenas de cidadãos sem pedir que abdiquem da identidade ou autonomia, requer que representem eficazmente os trabalhadores — e estes querem unidade na ação e nela desejam participar. Os esforços de convergência sindical são urgentes, precisamente quando a direita governa com maioria e ataca direitos e Estado Social. O desafio está lançado às centrais sindicais. O tempo é curto, a ofensiva é forte, e a história mostra que, unidos, os trabalhadores têm sempre mais força do que parece. É tempo de voltar a prová-lo.
António Brandão Guedes - Sindicalista do setor Função Pública, dirigente da Base - FUT
Augusta de Sousa - Sindicalista, ex-Bastonária da Ordem dos Enfermeiros e ex-dirigente JOC.
Avelino Pinto – Animador social dos Amigos de Aprender, Professor jubilado de psicologia social
Constantino Alves - Padre e ex-dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos do Sul
Deolinda Machado - Sindicalista, ex-Executiva da CGTP-IN, Coordenadora Diocesana da LOC / MTC, Lisboa
Guadalupe Simões - Sindicalista, dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses e do Conselho Nacional da CGTP-IN
Ulisses Garrido – sindicalista, dirigente da PRAXIS, ex-Executivo da CGTP-IN e ex-diretor do Instituto Sindical Europeu
Publicado originalmente no Público a 31 de agosto de 2025