
- Evolução legislativa
A proteção laboral e social da parentalidade e da conciliação tem merecido a atenção do legislador nas últimas reformas legislativas e mantém-se na ribalta no Anteprojeto de Lei da reforma da legislação laboral.
Em 2015, a Lei n.º 120/2015, de 1 de setembro, reforçou a tutela da parentalidade conferida pelo Código do Trabalho, assim como a respetiva proteção social no âmbito do sistema previdencial e no subsistema de solidariedade regulada pelo Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril, ou pelo Decreto-Lei n.º 89/2009, de 9 de abril, para os trabalhadores que exercem funções públicas integrados no regime de proteção social convergente. Nesse mesmo ano, a Lei n.º 133/2015, de 7 de setembro, criou um mecanismo para proteção das trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes, limitando o acesso a subsídios e subvenções públicos por parte de empresas condenadas por despedimento ilegal de grávidas, puérperas ou lactantes, cuja decisão judicial transitou em julgado.
Em 2019, a Lei n.º 90/2019, de 4 de setembro, intensificou a proteção da parentalidade com novas alterações ao Código do Trabalho, acompanhadas dos necessários ajustamentos ao nível da proteção social conferida pelos Decretos-Lei n.ºs 91/2009 e 89/2009 supramencionados. Estas modificações, além de alargarem o âmbito das faltas, licenças e dispensas já reconhecidas, tiveram o mérito de evidenciar a incontornável ligação existente entre o exercício de direitos conexos com a parentalidade/ conciliação e tratamentos discriminatórios.
Segue-se, em 2021, a modificação do regime do teletrabalho, operada pela Lei n.º 83/2021, de 6 de dezembro, a qual intensificou o direito a teletrabalhar para promoção da conciliação, através do aditamento do artigo 166.º-A ao Código do Trabalho, norma que iniciou a transposição da Diretiva n.º 2019/1158 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho, relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores.
A transposição deste diploma europeu quanto aos demais domínios em falta, designadamente no que respeita ao trabalhador cuidador, foi realizada em 2023, por via da Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, diploma que declara a conciliação entre trabalho e vida familiar e pessoal como um imperativo para a promoção da igualdade entre homens e mulheres, salientando ainda as implicações que estão para além do mercado de trabalho, designadamente, a sustentabilidade demográfica do país. Neste contexto, são chamadas à colação "dimensões como as licenças de parentalidade num quadro de promoção da igualdade entre homens e mulheres, a proteção dos cuidadores informais e a promoção de tempos de trabalho e não trabalho mais equilibrados, incluindo a prevenção do recurso excessivo ao trabalho suplementar".
Desta evolução legislativa ressalta a promoção do papel do progenitor masculino ou equivalente quer por via do alargamento dos respetivos direitos parentais, quer por via da promoção da partilha de responsabilidades parentais mediante uma majoração do número de dias da licença e/ou das prestações sociais associadas. Trata-se, efetivamente, de uma opção acertada e necessária para combater a desigualdade de género no mercado de trabalho.
Vejamos se as alterações propugnadas pela Agenda do Trabalho XXI seguem, ou não, a mesma tendência das reformas que a precederam.
- Dispensa para amamentação
A OMS tem assinalado, de forma reiterada, a importância da amamentação até, pelo menos, aos dois anos de idade da criança, devendo a mesma ser exclusiva até aos seis meses, pelo impacto que tal prática assume em termos de saúde infantil, materna e saúde pública em geral, ao que se pode aditar os múltiplos benefícios para o vínculo materno-infantil.
Todavia, o regresso ao trabalho não facilita a continuidade da amamentação, sendo que a duração standard da licença parental inicial é inferior aos seis meses em que a amamentação deveria ser exclusiva (corresponde, atualmente, a 120 ou 150 dias, nos termos do artigo 40.º do Código do Trabalho), tornando bastante difícil o cumprimento das recomendações da OMS neste domínio e justificando a introdução prematura da alimentação complementar da criança. A duração que poderá ascender a 180 dias em caso de partilha significativa da licença entre os progenitores, mas tal não assegura necessariamente a possibilidade de amamentação exclusiva até aos seis meses de idade da criança.
A necessidade de proteção deste direito da criança justifica, assim, uma regulação legal específica que, no contexto do Conselho da Europa, é imposta, pela Carta Social Europeia (artigo 8.º/3), mas já não pelo Direito da UE, apesar do objetivo de proteção da trabalhadora lactante constante da Diretiva n.º 92/85/CEE, do Conselho, de 19 de outubro. Também a OIT procurou proteger este direito no artigo 10.º da Convenção n.º 183, relativa à revisão da Convenção sobre a Proteção da Maternidade, ratificada por Portugal.
Em cumprimento destas prescrições internacionais, o legislador português consagra, no artigo 47.º do Código do Trabalho, o direito da trabalhadora a uma dispensa de trabalho para amamentação durante dois períodos diários distintos com a duração máxima de uma hora, durante todo o tempo que esta durar, sem limite temporal máximo. Admite-se que, por acordo entre trabalhador e empregador, seja aplicável um regime diferente, por exemplo, um único período de duas horas. A duração da dispensa poderá ser reduzida proporcionalmente em caso de trabalho a tempo parcial ou aumentada (em 30 minutos) no caso de nascimentos gemelares.
Note-se que estamos perante um direito da trabalhadora que tem por objetivo proteger o interesse da criança, sendo este o valor jurídico envolvido, o que não permite que os períodos de dispensa, na falta de acordo, sejam fixados pelo empregador em função das conveniências da empresa.
Esta dispensa não determina a perda de quaisquer direitos, sendo tratada como prestação efetiva de trabalho para todos os efeitos. Inclusivamente, não afeta o direito à retribuição, recaindo sobre o empregador a obrigação de pagamento integral da mesma (artigo 65.º, n.º 2, do Código do Trabalho).
Trata-se de um regime inseparável do sexo por razões biológicas (por oposição à aleitação), pelo que qualquer tratamento diferenciado da trabalhadora motivado pelo exercício deste direito será considerado, à luz do Direito da UE, uma discriminação direta em função do sexo. Tal justifica uma especial proteção destas trabalhadoras também em matéria de despedimento (artigo 63.º do Código do Trabalho).
A partir do momento em que não há lugar à amamentação, aplica-se um regime comum a ambos os progenitores, podendo, por decisão conjunta, quer a mãe, quer o pai trabalhador proceder à aleitação da criança, de forma exclusiva ou alternada, hipótese em que beneficiarão de idêntica dispensa, mas apenas até o menor completar um ano de idade. De facto, os direitos que são atribuídos de modo exclusivo à mulher trabalhadora são incindíveis do facto de ser esta a gerar e a amamentar os filhos. Nos outros planos, prevalece uma ideia de tratamento igualitário entre homem/mulher. Contudo, neste caso, para que um progenitor possa exercer este direito, a lei exige que ambos desempenhem uma atividade profissional, o que pode conduzir a que o direito não seja reconhecido à mãe trabalhadora se o pai não desempenhar qualquer atividade profissional, cabendo-lhe então a ele o papel de aleitar a criança.
Este direito é alargado aos adotantes, ao tutor, à pessoa a quem foi deferida a confiança judicial ou administrativa do menor, ao cônjuge ou à pessoa em união de facto com qualquer um destes ou com o progenitor, desde que viva em comunhão de mesa e habitação com o menor, por força do artigo 64.º do Código do Trabalho e, ainda, a partir de 1 de maio de 2023, às famílias de acolhimento (artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro).
Qual a proposta da Agenda do Trabalho XXI neste domínio?
Em primeiro lugar, o Anteprojeto de lei da reforma da legislação laboral define uma limitação, que até agora não existia, de duração máxima da dispensa para amamentação até a criança perfazer dois anos. Pode, é certo, afirmar-se que, a partir desta idade, a criança já estará perfeitamente integrada na rotina e plano alimentar da respetiva família, assumindo a amamentação uma função complementar, pelo que tal dispensa não assume a mesma premência. Por outro lado, o facto de tal dispensa ser suportada pelo empregador, por não implicar perda de remuneração, onera com particular incidência as micro e pequenas empresas e aumenta o risco de discriminação destas trabalhadoras, o qual é exacerbado pelo prolongamento no tempo da dispensa. Não é por acaso que a OIT recomenda que os encargos inerentes aos direitos laborais parentais não recaiam sobre o empregador para reduzir tal risco. Contudo, precisamente porque esta dispensa não é suportada pela segurança social, não dispomos, tanto quanto sabemos, de dados sobre o seu impacto real, ou seja, quantas mulheres trabalhadoras existem em Portugal a gozar a dispensa para amamentação após os dois anos da criança? Poderá obter-se este dado, pelo menos, no setor público? Em qualquer caso, tendo em conta os benefícios da amamentação e o incentivo da mesma propugnado pela Lei n.º 110/2019, de 9 de setembro, não se justificaria definir um período temporal máximo que não coincidisse com o mínimo definido pela OMS?
Uma segunda alteração a assinalar diz respeito às trabalhadoras a tempo parcial. Mantém-se a solução de, nestes casos, se reduzir a duração da dispensa (para amamentação ou aleitação) proporcionalmente ao período normal de trabalho, mas adita-se um novo requisito constitutivo deste direito: o progenitor terá de ter um período normal de trabalho correspondente a, pelo menos, metade do tempo de trabalho completo. Ou seja, se o período normal de trabalho a tempo completo corresponder a 40 horas por semana, só beneficia desta dispensa (neste caso, correspondente a uma hora por dia) o progenitor que preste pelo menos 20 horas por semana. Os outros trabalhadores a tempo parcial ficam, assim, excluídos. Poderemos identificar razões objetivas que justifiquem este tratamento menos favorável? Se tal não suceder, estaremos perante um tratamento discriminatório dos trabalhadores a tempo parcial contrário ao disposto no artigo 154.º do Código do Trabalho, norma que implementa a Diretiva 97/81/CE, de 15 de dezembro, respeitante ao acordo-quadro relativo ao trabalho a tempo parcial celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES. Acresce uma maior rigidez na marcação deste período, uma vez que, na falta de acordo entre trabalhador(a) e empregador, a dispensa é gozada na primeira ou na última hora do período normal de trabalho. Supomos que será esta a situação mais frequente e que corresponderá, na maioria dos casos, ao interesse do(a) trabalhador(a), mas não pode ser afastada a possibilidade de essa opção poder não estar em harmonia com as necessidades concretas da criança, sobretudo nos primeiros meses de vida.
Quanto ao procedimento a adotar, o titular deste direito tem de comunicar ao empregador que amamenta/aleita a criança, com 10 dias de antecedência relativamente ao início da dispensa. A partir dos 12 meses da criança, a trabalhadora tem de apresentar atestado médico que confirme a amamentação, não se definindo, contudo, a regularidade com que tal prova deve ser apresentada, o que gera incerteza e dá azo a práticas empresariais variadas. Em caso de aleitação, exige-se a apresentação de documento que confirme a decisão conjunta no sentido de ser um ou outro (ou ambos) a proceder à aleitação e prova de que o outro progenitor informou a respetiva entidade empregadora da decisão conjunta. Finalmente, o/a trabalhador/a tem ainda de declarar qual o período de dispensa gozado pelo outro progenitor, caso tenham optado pelo exercício conjunto alternado deste direito (artigo 48.º do Código do Trabalho).
A novidade proposta pelo Anteprojeto em matéria de procedimento consiste na imposição à trabalhadora da obrigação de apresentar atestado médico comprovativo da amamentação para poder gozar a dispensa mesmo antes de a criança perfazer um ano. Justifica-se exigir atestado médico antes desta data? Afinal, não será tal facto irrelevante porque até a criança perfazer um ano de idade existe uma dispensa para aleitação com regime idêntico (ou seja, mesmo que não amamente, a trabalhadora dispõe de dispensa equivalente para aleitar)? Pensamos que a exigência desta comunicação antes dos 12 meses da criança só pode ser justificada para controlo dos requisitos da atribuição do direito à dispensa para aleitação, mais propriamente saber se outro progenitor exerce ou não uma atividade profissional. Não sendo entregue o atestado médico a comprovar a amamentação, aplica-se o regime da aleitação e, neste caso, a mãe trabalhadora só pode gozar a dispensa se o pai exercer uma atividade profissional. Isto significa que o empregador, sabendo que a trabalhadora não amamenta, poderia exigir prova que o outro progenitor exerce atividade profissional. Porém, note-se que o Anteprojeto não esclarece que o novo n.º 3 do artigo 48.º corresponde ao antecessor n.º 2 e apenas indica três alíneas em vez das quatro atualmente em vigor, excluindo a alínea d) que refere, precisamente, a necessidade de se provar que "o outro progenitor exerce atividade profissional e, caso seja trabalhador por conta de outrem, que informou o respetivo empregador da decisão conjunta". Se esta exigência desparecer, então não se vislumbram razões que justifiquem atestado médico comprovativo da amamentação antes dos 12 meses da criança, mas provavelmente a eliminação da atual alínea d) é um lapso que será corrigido no projeto.
Por fim, a fixação da periodicidade em que tal atestado médico tem de ser entregue ao empregador (de 6 em 6 meses), quando aplicada após os 12 meses da criança parece-nos ser de aplaudir, uma vez que se preenche, com uma solução generosa, uma lacuna geradora de grande insegurança para trabalhadoras e empregadores.
- Luto gestacional
A propósito do direito a faltar 3 dias consecutivos por motivo de luto gestacional, com direito a retribuição, atualmente reconhecido a ambos os progenitores no artigo 38.º-A do Código do Trabalho, diga-se que, no que concerne à gestante, o mesmo apenas constitui uma alternativa à licença por interrupção de gravidez (com duração entre 14 e 30 dias, fixada por atestado médico), acompanhada de um subsídio pago pelo sistema de segurança social, a que ela sempre terá direito. Deste modo, a revogação das faltas por luto gestacional (prevista no Anteprojeto), apenas significa, para a mulher, a eliminação dessa alternativa, e não do direito de se ausentar do trabalho, que se mantém por via daquela licença.
Já para o pai, a revogação da falta por luto gestacional traduzir-se-á, pelo menos, na perda do direito a retribuição (ou subsídio substitutivo) correspondente a três dias. É certo que a interrupção da gravidez passa a constar (ao lado da doença e do acidente) como uma circunstância que, segundo o artigo 252.º do Código do Trabalho, legitima a falta para assistência inadiável e imprescindível a membro do agregado familiar. É contudo de realçar o seguinte: i) o direito a faltar no caso de interrupção da gravidez não é atribuído ao pai, mas sim ao cônjuge ou pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador, parente ou afim na linha reta ascendente ou no 2.º grau da linha colateral (v.g., poderá faltar o/a irmão/irmã da trabalhadora), o que evidencia que a norma deixa de ter como finalidade tuitiva o luto gestacional do pai, passando antes a centrar-se no acompanhamento da mãe; ii) as faltas para assistência têm o limite de 15 dias por ano (pode acontecer que este limite já tenha sido esgotado, por exemplo, por assistência a uma mãe doente...); iii) o direito a faltar só existe no caso de a assistência ser tida como inadiável e imprescindível (poderá o médico entender que não é o caso...); iv) tais faltas determinam perda de retribuição, e não dão origem à atribuição de qualquer subsídio por parte do sistema de segurança social.
Assim, nos termos do regime concebido no Anteprojeto, para além de o trabalhador seguramente perder o direito à retribuição no caso de ausência por luto gestacional, corre ainda o risco de perder o efetivo direito a essa ausência.
- Licença parental inicial
O Anteprojeto prevê a introdução de alterações ao regime da licença parental inicial, atualmente estabelecido no artigo 40.º do Código do Trabalho. Trata-se da licença a que os progenitores trabalhadores têm direito, aquando do nascimento de um filho, e que desejavelmente deve ser partilhada entre eles, decorrido que seja o período de 42 dias seguidos pós-parto (obrigatoriamente gozado pela puérpera).
Conforme dispõe o Código do Trabalho, esta licença tem uma duração base de 120 ou 150 dias consecutivos, podendo ser alvo de acréscimos relacionados com vários fatores. Para além de circunstâncias relacionadas com nascimentos múltiplos, internamento hospitalar ou prematuridade, a duração da licença pode aumentar com uma decisão de partilha significativa entre os progenitores. A partilha será significativa, para estes efeitos, se cada um dos progenitores gozar, em exclusivo, um período de 30 dias consecutivos, ou dois períodos de 15 dias consecutivos, após o referido período de gozo obrigatório pela mãe. Nestes casos, a licença é acrescida em 30 dias, aumentando de 120 ou 150 dias (de base), para 150 ou 180 dias, respetivamente.
Das diferentes escolhas quanto à duração da licença e/ou duração da partilha, resulta uma diferente taxa de cálculo do subsídio parental inicial, pago pelo sistema de segurança social, para substituir a retribuição que deixa de ser paga pelo empregador: 100% para a licença de 120 dias; 100% ou 80% para a licença de 150 dias, consoante haja, ou não, uma partilha significativa; 83% ou 90% para a licença de 180 dias, consoante haja uma partilha significativa, ou uma partilha muito significativa, tendo-se a partilha por muito significativa quando o pai goze, pelo menos, um período de 60 dias consecutivos, ou dois períodos de 30 dias consecutivos de licença. Este último incentivo (a uma partilha muito significativa) foi introduzido em 2023, na sequência da Lei n.º 13/2023, designada por Agenda do Trabalho Digno.
Com o Anteprojeto, não obstante a duração máxima da licença não conhecer alterações, prevêem-se mudanças no que respeita à obrigatoriedade do gozo da licença, às condicionantes do acréscimo por partilha e aos incentivos à partilha entre progenitores.
Assim, prevê-se que os primeiros 120 dias de licença sejam de gozo obrigatório, o que não acontece atualmente. No regime em vigor, apenas os primeiros 42 dias a seguir ao parto são de gozo obrigatório, pela mãe, sendo a restante licença de gozo facultativo. Segundo o gizado no Anteprojeto, a licença só será de gozo facultativo a partir do 121.º dia. Com efeito, aos 120 dias de gozo obrigatório, podem ser aditados, facultativamente, 30 dias de licença (sem quaisquer condições) ou 60 dias de licença (desde que cada um dos progenitores goze metade do acréscimo, isto é, 30 dias). Deste modo a licença atingirá a duração de 150 ou 180 dias, respetivamente.
Quanto ao subsídio parental inicial associado às diferentes modalidades, antevê-se o seguinte no Anteprojeto: 100% para a licença de 120 dias; 90% ou 80% para a licença de 150 dias, consoante haja, ou não, uma partilha significativa; 100% para a licença de 180 dias (que, como vimos, depende do gozo partilhado do período adicional de 60 dias, de forma igualitária).
Do conjunto das alterações conjeturadas resulta a possibilidade de os progenitores usufruírem de uma licença de 180 dias subsidiada com uma taxa de cálculo de 100%, o que, naturalmente, é positivo. Não obstante, sendo esta a opção mais benéfica, quer em termos de duração da licença, quer em termos de taxa, representa, a mesma, o cume do incentivo à partilha. Que quantum de partilha se estimula com este "novo regime"? Estimula-se que, nos últimos 60 dias da licença, 30 dias (seguidos, ou não) sejam utilizados pelo pai. Sendo que, sem que se perceba porquê, o Anteprojeto ainda prevê que "[s]alvo comunicação em contrário do trabalhador, o período adicional de gozo facultativo em regime partilhado em períodos iguais por ambos os progenitores é gozado em simultâneo". A solução supletiva do gozo simultâneo do período adicional da licença (que atualmente só pode ocorrer entre os 120 e os 150 dias) conduz, por um lado, a uma redução do período de tempo de acompanhamento da criança (uma vez que ambos os progenitores consomem parte da licença em simultâneo) e, por outro, não promove uma partilha de responsabilidades parentais promotora da igualdade de género (atendendo ao modelo ainda prevalente em que a mãe é a cuidadora principal, o gozo conjunto pode obstar a que o pai assuma efetivamente esse papel, limitando-se a "ajudar" a mãe). Nestes termos, acreditamos que a definição do gozo simultâneo como solução supletiva (ou mesmo como opção tout court) só se justifica nos casos em que o período adicional de gozo facultativo em regime partilhado (em períodos iguais) vai ser gozado por ambos os progenitores a tempo parcial. Esta solução, sim, poderia facilitar o regresso ao trabalho, tal como a continuidade da amamentação, enquanto promovia uma efetiva partilha entre os progenitores dos cuidados com a criança e, em consequência, uma maior igualdade de género.
Salvo melhor opinião, o caminho que o legislador tinha vindo a percorrer, de paulatinamente introduzir medidas que estimulassem uma partilha mais significativa entre progenitores, é quebrado neste Anteprojeto. Somos obviamente favoráveis a que que se ofereça mais tempo, e mais dinheiro, para os progenitores cuidarem dos seus filhos. Acreditamos é que é igualmente importante apostar nos estímulos à partilha da licença. E o maior incentivo a essa realidade parece-nos débil no Anteprojeto. Onde estão os estímulos à partilha do período obrigatório de licença? Qual a razão para se incentivar especialmente a partilha dos últimos 60 dias, ainda por cima com a previsão, por defeito, de gozo simultâneo pelos dois progenitores? Porquê retroceder no estímulo ao gozo de, pelo menos, 60 dias, por cada um dos progenitores?
- Licença parental exclusiva do pai
A licença parental exclusiva do pai sofre uma ligeira alteração. Mantém-se a duração da mesma, assim como a forma de cômputo introduzida pela Lei n.º 13/2023, mas duplica-se o número de dias que têm de ser obrigatoriamente gozados de forma consecutiva na sequência do nascimento da criança.
Atualmente, o artigo 43.º do Código do Trabalho exige que a licença parental exclusiva do pai, na parte de gozo obrigatório (28 dias), seja gozada de forma consecutiva ou, então, em períodos interpolados de no mínimo 7 dias, em paralelo com o gozo do período de licença parental exclusiva da mãe, 7 dos quais carecem de ser gozados de modo consecutivo imediatamente a seguir ao nascimento da criança.
O Anteprojeto vem exigir que, após o nascimento da criança, o pai goze 14 dias consecutivos de licença, eliminando, quanto ao restante período, a duração mínima de 7 dias consecutivos, ou seja, autorizando o gozo dos restantes 14 dias em falta "a conta gotas", solução que pode comprometer a promoção da referida partilha de cuidados, facilitando a utilização "avulsa" destes dias para finalidades distintas.
- Licença parental complementar e licença para assistência a filho
Ainda no que diz respeito às licenças parentais, é de estranhar a omissão, no Anteprojeto, de alterações ao regime da «licença parental complementar». Esta licença, que no nosso ordenamento jurídico está regulada no artigo 51.º do Código do Trabalho, corresponde à «licença parental» prevista na Diretiva (UE) 2019/1158, cujo prazo de transposição já expirou. Para dar cumprimento ao disposto na Diretiva, deveria o ordenamento jurídico português "garantir que cada trabalhador tem um direito individual a uma licença parental de quatro meses, a gozar antes de a criança atingir uma determinada idade, até aos oito anos no máximo" (artigo 5.º da Diretiva). Em causa não está a «licença parental inicial» (a gozar por altura do nascimento da criança) mas sim uma outra, diferente dela, que entre nós assume a designação de «licença parental complementar». Ao contrário do previsto na Diretiva, o artigo 51.º do Código do Trabalho atribui a cada um dos progenitores o direito a uma licença que, podendo assumir diferentes modalidades, adota como período base de referência os 3 meses de duração (e não 4). Acresce que esta licença apenas pode ser gozada para assistência a filho ou adotado com idade não superior a seis anos, quando a Diretiva permitia que se tivesse estabelecido como limite os oito anos de idade da criança.
Por sua vez, fica por esclarecer a dúvida suscitada pela doutrina e jurisprudência sobre qual a idade do menor relevante para que o(s) respetivo(s) progenitor(es) possa(m) gozar a licença para assistência a filho prevista no artigo 52.º do Código do Trabalho: 6 anos tal como na licença parental complementar (artigo 51.º do Código do Trabalho)? 12 anos tal como no trabalho a tempo parcial ou horário flexível (artigos 55.º e 56.º do Código do Trabalho)? 8 anos tal como no teletrabalho ((artigo 166-A.º, n.º 3, do Código do Trabalho)? Ou sem qualquer limite de idade por tal não ser referido no texto da norma?
- Horário de trabalho flexível
A Agenda do Trabalho XXI propõe-se ainda introduzir uma alteração na norma que, atualmente, regula o chamado horário flexível (o artigo 56.º do Código do Trabalho). De acordo com a proposta, o horário flexível deve "ajustar-se às formas especiais de organização de tempo de trabalho que decorram do período de funcionamento da empresa ou da natureza das funções do trabalhador, nomeadamente em caso de trabalho noturno ou prestado habitualmente aos fins-de-semana e feriados". Para se perceber o alcance da alteração proposta, talvez valha a pena recordar, em termos sintéticos, o que é isso, afinal, do horário flexível e que circunstancialismo concreto espoletou esta proposta de aditamento ao artigo 56.º da lei laboral.
O horário flexível é uma modalidade de horário de trabalho que, de acordo com a lei, autoriza o trabalhador a "escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho". Ou seja, o trabalhador, tendo por certo de respeitar plataformas de presença obrigatória, isto é, períodos da parte da manhã e/ou da parte tarde em que tem de estar ao serviço, pode, dentro de determinadas franjas horárias, escolher a hora a que quer iniciar e/ou terminar a sua jornada de trabalho, não estando, por isso, vinculado a iniciar ou a terminar o seu dia de trabalho a uma hora fixa, rígida. Imaginemos um trabalhador que cumpria um período normal de trabalho de 40 horas semanais, num horário com a seguinte distribuição: das 8h às 13h, com intervalo de descanso entre as 13h e as 15h, retomando o trabalho das 15h às 18h. A solicitação de um horário de trabalho flexível com períodos de presença obrigatória -- por exemplo, entre as 10h e as 13h e as 14h e as 16h -- e plataformas flexíveis para o início e fim da prestação -- por exemplo, para o início da prestação, o período compreendido entre as 8h e as 10h, e para o termo da prestação, o período compreendido entre as 16h e as 18h -- permitir-lhe-ia, de acordo com as suas conveniências, iniciar a atividade, nuns dias, às 8h, noutros, às 8h30 ou às 10h, bem como terminá-la, ora, às 16h, ora, às 17h ora, às 18h.
Ora, que trabalhadores podem requerer este tipo de horário? Atualmente, o Código do Trabalho reconhece aos trabalhadores com filhos menores de 12 anos ou com filhos que, independentemente da idade, sejam portadores de deficiência ou doença crónica, e ainda aos trabalhadores com o estatuto de cuidadores o direito de solicitarem horário flexível (a modalidade também está prevista para os trabalhadores do setor público, na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, embora aí com um alcance mais amplo). Trata-se de uma modalidade de horário vocacionada, pois, para aqueles trabalhadores que têm responsabilidades familiares, permitindo-lhes uma melhor conciliação entre a vida profissional e familiar, valor que a nossa Constituição protege, especialmente, no artigo 59.º, n.º 1, al. b). O potencial de conciliação advém, justamente, do facto de o trabalhador não ficar "amarrado" a horas fixas de início e termo da jornada que poderiam tornar-se um obstáculo para que aquele pudesse desempenhar cabalmente os seus dois papéis, o de trabalhador e o de pai/mãe/cuidador. Em qualquer dos casos, o trabalhador que pretenda usufruir desta modalidade de horário deverá dirigir um pedido ao empregador, com uma antecedência de 30 dias, comprovando que se encontra em alguma das três situações acima mencionadas, pedido que apenas poderá ser recusado pelo empregador, de acordo com a lei, se este invocar "exigências imperiosas de funcionamento da empresa".
Pois bem. A temática dos horários flexíveis assumiu contornos mais complexos e até mediáticos, quando em 2022 vieram a público vários pedidos formulados por trabalhadoras de grandes centros comerciais -- recorde-se o caso célebre da trabalhadora da cadeia Primark --, a maioria com horários de trabalho por turnos rotativos, que, em razão das responsabilidades parentais assumidas, requeriam junto das respectivas entidades empregadoras pedidos intitulados de "horários flexíveis", para passarem a trabalhar em turnos fixos, de segunda a sexta feira, com descanso semanal ao sábado e domingo.
O enquadramento destes pedidos como "horários flexíveis" não era totalmente óbvio, pelo menos, se tivermos em consideração a descrição acima exposta. Mas, a verdade é que, na ausência de uma outra medida na lei especificamente dirigida aos trabalhadores com horários por turnos rotativos, a recusa liminar daqueles pedidos por não se tratarem de "horários flexíveis" no sentido tradicional, significaria deixar aquela categoria de trabalhadores totalmente excluída de uma efetiva tutela em termos de conciliação entre a vida familiar e profissional. Mais. Se esses trabalhadores com horários por turnos solicitassem um horário flexível tradicional, isto é, a possibilidade de entrar e sair a horas diferentes ou incertas ao longo da semana, tal medida revelar-se-ia manifestamente impraticável para os interesses patronais, que, ao invés de poderem contar com os trabalhadores em horas fixas de início e termo, aspeto essencial para realizar a sucessão de turnos, teriam de contar com a imprevisibilidade das horas de entrada e de saída dos trabalhadores por turnos... Eis a razão pela qual o Supremo Tribunal de Justiça, em conformidade com entendimento da CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego), e numa leitura generosa do artigo 56.º do Código do Trabalho, se tem pronunciado no sentido de considerar este tipo pedidos ainda como pedidos de horário flexível. Note-se que, seguindo a leitura feita pelos nossos tribunais superiores, a mera qualificação destes pedidos como pedidos de horários flexíveis não determina, sem mais, que um trabalhador com horário por turnos rotativos passe automaticamente a usufruir de um horário com turno fixo. Ao empregador caberá sempre apreciar o pedido, tendo em conta as circunstâncias concretas da respetiva organização, podendo, no limite, recusá-lo com fundamento nas "exigências imperiosas de funcionamento da empresa".
Alguns dirão, em tom crítico, que esta solução interpretativa não resulta clara do artigo 56.º do Código do Trabalho. Outros, porventura, argumentarão que a viabilização de horários com turnos fixos como uma espécie de horário flexível sobrecarrega em demasia os outros trabalhadores por turnos, aqueles que, não querendo ou não podendo ser pais, ficarão confinados aos piores horários dentro de uma organização.
Ora, o que veio a proposta da Agenda do Trabalho XXI acrescentar a esta controvérsia? Terá optado por clarificar que os pedidos de horários com turnos fixos devem ser entendidos como pedidos de "horário flexível" para efeitos do artigo 56.º do Código do Trabalho, para melhor acomodar a leitura interpretativa que vem sendo feita pelo Supremo Tribunal de Justiça? Terá optado por estabelecer alguma regra especial para o funcionamento destes "horários com turno fixo", designadamente, para não sacrificar em demasia os interesses dos outros trabalhadores por turnos? Nem uma coisa nem outra. Lendo o que consta do anteprojeto do Governo nesta matéria, fica-se com um sentimento, por um lado, de frustração e, por outro, de apreensão. De frustração, pois, tendo a oportunidade de intervir em termos clarificadores nesta matéria, não há na proposta uma qualquer referência expressa à admissibilidade do horário com turno fixo funcionar como horário flexível. Mas também de apreensão, pois a fórmula vaga e genérica aditada (segundo a qual a elaboração do horário flexível deve "ajustar-se às formas especiais de organização de tempo de trabalho que decorram do período de funcionamento da empresa ou da natureza das funções do trabalhador, nomeadamente em caso de trabalho noturno ou prestado habitualmente aos fins-de-semana e feriados") deixa em aberto a possibilidade de ser lida como um reforço dos poderes patronais para recusa destes pedidos. Ora, a confirmar-se este último entendimento, tal irá saldar-se numa (mais uma?) regressão dos direitos dos trabalhadores, ao arrepio do tão proclamado objetivo de promoção de um melhor equilíbrio entre a vida privada e vida profissional.
Uma última nota. À parte desta controvérsia, o Anteprojeto parece desperdiçar a oportunidade para introduzir alterações no regime do horário flexível numa outra perspetiva, a do combate às desigualdades de género que se manifestam no mercado de trabalho. A circunstância de a maioria dos pedidos de horário flexível ser feita por trabalhadoras mostra um retrato preocupante da realidade social portuguesa em termos de distribuição das responsabilidades familiares entre homens e mulheres. Pergunta-se se não seria esta a altura para introduzir na disciplina do horário flexível -- à semelhança do que já sucede, atualmente, a respeito de algumas licenças e em matéria de teletrabalho -- mecanismos que impulsionassem uma maior partilha destes mecanismos de conciliação.
- Breve nota conclusiva
A Agenda do Trabalho XXI apresenta um conjunto relevante de alterações ao regime legal de proteção da parentalidade. Algumas justificadas para evitar duplicação de institutos de tutela e que não apresentam prejuízo para as trabalhadoras (as faltas por luto parental da gestante), outras que promovem maior segurança jurídica ao integrarem lacunas do Código do Trabalho em vigor.
Contudo, com maior ou menor impacto prático, a tendência visível da proposta de reforma do regime de proteção da parentalidade traduz-se num reequilíbrio de poder entre trabalhador e empregador em benefício deste último e, sobretudo -- sendo este, quanto a nós, o aspeto mais criticável --, numa incompreensível mudança de rumo quanto à promoção da partilha de responsabilidades parentais, com impacto em termos de igualdade de género.
Catarina de Oliveira Carvalho1
Joana Nunes Vicente2
Luísa Andias Gonçalves3
Notas
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Professora associada da Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Direito -- Escola do Porto, CEID -- Centro de Estudos e Investigação em Direito, Portugal. ↩
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Professora auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra -- Faculdade de Direito, IJ, Univ Coimbra ↩
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Professora auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra -- Faculdade de Direito, IJ, Univ Coimbra ↩